5 livros escritos por mulheres antes do séc. XVIII
#2 Baú dos Livros
O universo literário anterior ao século XVIII é, já de si, parco. Descartes, Racine, Voltaire, Shakespeare, More, Maquiavel, são nomes que nos assaltam a mente e aos quais é praticamente impossível escapar quando delineamos limites temporais desta ordem. É por isso que o mote - cinco livros escritos por mulheres antes do século XVIII - é tão tentador e desafia todas as probabilidades.
Não facilitei a minha demanda. Quis escapar ao género lírico e epistolar, à poesia, às peças de teatro, aos textos divinos, clericais ou místicos. Esta premissa obrigou-me a excluir muitas mulheres, desde a Grécia Antiga, Idade Média e período Renascentista. A intenção foi, tanto quanto possível, focar-me no género narrativo e de ficção. O resultado foi este e espero que da próxima vez que encaminharem as vossas leituras para obras anteriores ao ano 1700, possam incluir algum destes títulos. Eu certamente o farei!
Heptameron (1558), Margarida de Navarra
Contos
Margarida de Navarra (1492-1549), também conhecida como Margarida de Angoulême, foi princesa de França e rainha de Navarra. Quer como escritora, quer como mecenas, ela foi uma figura marcante do Renascimento francês e considerada a "Primeira Mulher Moderna".
Marguerite escreveu muitos poemas e peças de teatro. A sua obra mais notável é L'Heptameron, uma coleção clássica de 72 contos inspirada no Decameron de Giovanni Boccaccio, publicada postumamente em 1558. O seu título, que encontra raiz no grego, significa sete dias, sendo o Heptameron uma coletânea de contos divididos em dias. A ideia inicial de Margarida de Navarra era de que a sua coletânea cobrisse dez dias, tal como Decameron, perfazendo um total de cem contos, mas por força da sua morte, ela concluiu apenas até à segunda história do oitavo dia. Muitas das histórias tratam de amor, luxúria, infidelidade e outros assuntos românticos e sexuais. Com afinco, ainda se consegue encontrar esta obra traduzida para português em alfarrabistas.
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The Worth of Women (1600), Moderata Fonte
Contos - Diálogos - Feminismo
Moderata Fonte, pseudónimo de Modesta di Pozzo di Forzi, também conhecida como Modesto Pozzo (1555-1592) foi uma escritora e poeta veneziana. Embora pouco conhecida pelas críticas modernas antes de 1980, agora é reconhecida como uma das escritoras italianas mais acessíveis e atraentes do século XVI.
Moderata Fonte é mais conhecida pela sua obra Il Merito delle donne (The Worth/Merits of Women - O Valor/Mérito das Mulheres) publicado postumamente em 1600, no qual critica o tratamento das mulheres pelos homens, enquanto celebra as virtudes e a inteligência das mulheres e argumenta que as mulheres são superiores aos homens, embora não chegue a apelar à igualdade sexual. Moderata foi uma autora pioneira e moderna, que influenciou o pensamento moderno e a compreensão do feminismo no contexto histórico. Não encontrei indícios de que esta obra tenha alguma vez sido traduzida para língua portuguesa.
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The Blazing World (1666), Margaret Cavendish
Ficção científica - Utopia/Distopia
Margaret Lucas Cavendish (1623-1673) foi uma poeta, filósofa, escritora de romances em prosa, ensaísta e dramaturga que publicou com o seu próprio nome numa altura em que a maioria das mulheres publicava anonimamente. A sua escrita abordou vários tópicos, incluindo género, poder, método científico e filosofia.
Famosa pelo seu romance utópico, The Blazing World, pioneiro no universo literário como um dos primeiros exemplos de ficção científica. The Blazing World é uma representação fantasiosa de um reino utópico noutro mundo que pode ser alcançado através do Pólo Norte. A personagem principal, uma jovem mulher, é sequestrada por um comerciante e levada para o mar. Por causa de uma forte tempestade, o barco é forçado a navegar em direção ao Pólo Norte e no decurso dessa travessia, todos os homens morrem, sobrevivendo apenas a heroína que é levada para uma nova dimensão, um outro mundo do qual se tornará Imperadora. Também neste caso não logrei alcançar indícios da existência de tradução para língua portuguesa.
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A Princesa de Clèves (1678), Madame de La Fayette
Ficção histórica - Romance - Clássicos
Madame de La Fayette (1634 - 1693) foi uma escritora francesa, autora de La Princesse de Clèves, o primeiro romance histórico francês e um dos primeiros romances da literatura. Publicado anonimamente, A Princesa de Clèves é considerado precursor do romance de análise psicológica, tendo sido um verdadeiro marco na história da literatura e da ficção narrativa ao criar um enredo realista, linguagem introspetiva que explora os pensamentos interiores e emoções dos personagens, bem como a criação de vários níveis de enredo referentes à vida dos diferentes personagens, além dos protagonistas.
A ação do romance decorre entre outubro de 1558 e novembro de 1559, principalmente na corte real de Henrique II de França. O romance recria essa época com uma precisão notável. Quase todos os personagens - à exceção da heroína - são figuras históricas. Eventos e intrigas desenrolam-se com grande fidelidade, semelhante àquela que encontramos em registos documentais. Este romance foi um enorme sucesso aquando da sua publicação, e os leitores fora de Paris tiveram de esperar meses para receber cópias.
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Oroonoko (1688), Aphra Behn
Ficção - Novela - Clássicos
Aphra Behn (1640-1689) foi uma poetisa, dramaturga e autora de ficção inglesa. Foi uma das primeiras mulheres inglesas a fazer da escrita forma de vida. Detentora de uma biografia turbulenta e, para alguns, escandalosa, foi espiã do rei inglês na Antuérpia, esteve cativa numa prisão civil, teve alguns problemas com a lei por causa dos seus escritos. A versatilidade de Behn era imensa; ela escreveu várias obras populares de ficção e adaptou obras de dramaturgos mais antigos. Ela também escreveu poesia e peças teatrais. O carisma de Behn rendeu-lhe um amplo círculo de amigos, mas a sua relativa liberdade como escritora profissional, bem como os temas das suas obras, sobretudo sobre sexualidade, fizeram dela objeto de algum (significativo) escândalo.
Oroonoko é uma novela que conta a história do herói homónimo, um príncipe africano de Coramantien que é levado à escravidão e vendido a colonos britânicos no Suriname, onde conhece o narrador. O texto de Behn é um relato, na primeira pessoa, da vida, amor, rebelião e morte do protagonista.
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Outras sugestões que acabei por não colocar no top cinco, deixo aqui menção a título de curiosidade: How to Be a Medieval Woman de Margery Kempe, The Dialogue on Adam and Eve de Isotta Nogarola e The Book of the City of the Ladies de Christine de Pizan.