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Queirosiana

Blogue sobre livros, leituras, escritores e opiniões

História de Quem Vai e de Quem Fica (2013), Elena Ferrante

Ficção Histórica

24.05.20

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Cada nova leitura de Ferrante é um assombro. Publicado originalmente em 2013, História de Quem Vai e de Quem Fica é o terceiro volume da série A Amiga Genial. Nesta continuação, acompanhamos as duas personagens principais ao longo dos seus vinte e trinta anos numa Itália em verdadeiro tumulto político, social e cultural. 

Muito mais denso e obscuro que os anteriores, uma certa sensação de abismo e solidão perpassam toda a história, bem como a incerteza de identidade (saber quem sou ou o que quero ser), sobretudo com Lenú, cuja personagem tem particular enfoque neste volume, como se a sua vida não fosse mais do que uma aglutinação sem fusão. 

Este volume parece ser uma sucessão de recuos daquilo que se havia aberto no segundo volume, sobretudo pela desfragmentação do debute de Lenú que, após a publicação do seu livro e de algum reconhecimento no meio literário, se vê ancorada a uma vida que lhe suga o potencial, a criatividade e a ambição.

A emancipação feminina, tema transversal na série da Amiga Genial, é particularmente incisivo neste terceiro volume em que a intimidade e sexualidade feminina e a maternidade assumem relevo, bem como a libertação daquilo que é um mundo construido por homens à sua semelhança e do qual as nossas personagens tentam escapar. 

Igualmente importante é o contexto social, político e cultural dos anos sessenta, com os seus tumultos, cisões e revoluções, um universo que se abre inteiramente ao leitor no seu fervilhar simbólico, cruel e de ilusões e que é profundamente revigorante para alguém que, como eu, só tem por fonte os relatos históricos e não a vivência e as sensações.

No final do livro, parece existir uma rutura na relação simbiótica entre Lenú e Lila, quando Lenú decide quebrar a apatia e invisibilidade da sua vida presente num aparente regresso ao passado que, no meu entender, me parece deslocado para quem pretende seguir em frente. Mas só o quarto e último volume poderão satisfazer a curiosidade desta leitora. 

Até lá, num esforço sobre-humano (pois prometi a mim mesma ler cada volume da série espaçadamente, com pelo menos um mês de intervalo), reforço a ideia que já vi escrita por muitos, ler a série A Amiga Genial é imergir num universo violento, ambivalente e masculino e escalpeliza-lo lentamente pela visão, voz e tacto femininos, numa ânsia constante de rutura e destruição, numa repulsa lancinante pelas desigualdades e hipocrisias, numa busca por um lugar e uma oportunidade num exercício de plena liberdade. 

A escrita de Ferrante é inexplicavelmente honesta e torna a leitora cativa, num afã de abarcar essa sinceridade que, mais das vezes, cala. Por intermédio da sua misteriosa arte de cerzir emoções, Ferrante encanta-nos e aprisiona-nos porque, quando escreve, confessa a vida. 

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