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Queirosiana

Blogue sobre livros, leituras, escritores e opiniões

Longe da Multidão (1874), Thomas Hardy

Ficção - Romance - Clássicos

17.08.20

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Encantador, pura e simplesmente encantador. Esta tradução então, está magnificamente bem conseguida. Qualquer leitora ou leitor gosta de histórias bem contadas e esta pertence sem dúvida ao rol! Nunca tinha lido Thomas Hardy, embora já fosse espectadora atenta das adaptações de algumas das suas obras (não desta), mas depois de uma ténue e cativante referência feita pela minha orientadora, decidi trazê-lo para cima da mesinha de cabeceira. 

Bathsheba Everdene, herdeira de uma propriedade rural, detentora de um caráter singular e de uma rara beleza, é a personagem crucial deste romance, lado a lado com Gabriel Oak. Ao longo da história, de grande profundeza emocional e humana, vamos acompanhando os avanços e recuos da vida de Bathsheba e dos seus amores impulsivos e distraídos, seja com o Sargento Troy ou Mr. Boldwood (que exasperante este último!). 

Thomas Hardy é conhecido pela sua escrita poderosa e trágica. Em Longe da Multidão as descrições dos espaços e natureza são tão sensíveis e sensitivas que é um deleite ler parágrafo atrás de parágrafo. A escrita de Hardy é sedutora em todos os graus. A descrição do bucólico, do rural, da natureza é magistral. A cena da tempestade e trovoada, inolvidável! Bem como a da tragédia inicial das ovelhas de Oak, ovelhas essas que retornam como objeto de um delicioso jogo de sentimentos entre Oak e Bathsheba.  

Bathsheba Everdene é uma fascinante personagem feminina, mistura o desvario íntegro de uma Karenina e a independência obstinada de uma Margaret Hale. Numa passagem do livro, Bathsheba declara ser difícil para uma mulher definir os seus sentimentos numa linguagem que é, essencialmente, feita para os homens expressarem os seus; não obstante, Hardy com os seus olhos e mãos masculinas foi brilhante na construção desta personagem feminina, colocando-a numa contra corrente, num exercício de constante desafio num universo enraizadamente patriarcal.  

Gabriel Oak é outro encanto. Se queremos falar de constância, dedicação e sacrifício, falemos de Gabriel Oak. No início do livro, Thomas Hardy não se isenta de criar um certo ambiente ridículo e inusitado em torno de Oak, a descrição do seu relógio de bolso é impagável! Mas, simultaneamente, coloca-o em constante provação sem nunca lhe retirar a virtude e dignidade.

Hardy explora o ridículo de forma magistral e rouba à leitora e leitor algumas gargalhadas, mas no segundo seguinte, cativa-nos com contornos trágicos e aterradores porque nunca lhes furta a beleza humana - recordo aqui a passagem em que Fanny Robin percorre um par de milhas a pé, num esforço sobre humano, com a ajuda de amigo de quatro patas, mas com um ímpeto que dilacera o coração da leitora ou leitor mais impenetrável; também a cena da abertura do caixão em casa de Bathsheba é sufocante de sentimentos que torcem e retorcem a razão e emoção humana.

Julguei que o final deste romance fosse imensamente mais trágico, a todo o momento esperava algo de estilo shakespeariano, uma morte de uma falésia abaixo numa repetição humana do desvario das ovelhas encaminhadas inadvertidamente para o precipício, mas tal não aconteceu. Pelo contrário, o final foi o equivalente a um abraço caloroso de um amigo a quem já não se via há muito tempo. Que construção de enredo virtuoso! Leiam logo que tenham oportunidade, deste lado colocarei no colo Tess dos D'Urbervilles assim que surja uma nesga de tempo extra das leituras que já planeei para este ano. 

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