O Crime do Padre Amaro (1876), Eça de Queiroz
Ficção - Romance - Clássicos
O Crime do Padre Amaro surgiu na forma de folhetim na "Revista Ocidental", em 1875. Mais tarde, tomando uma versão compilada em 1876. De uma crueza atroz, este romance ataca os vícios e corrupção do clero e da sociedade burguesa da época. Considerado por muitos, a principal obra do escritor, exemplo magnífico do movimento Realista português, ainda que a minha preferência se mantenha em Os Maias.
Em 2013, tive a oportunidade de ler a edição desta obra com as ilustrações da nossa ilustre pintora Paula Rego, publicado pela Quetzal Editores, uma versão sublime de uma obra magistral.
Li o livro em pouco tempo, estranhei até a rapidez com que o fiz, mas a história é terrivelmente sedutora e é impossível resistir à tentação!
No início, Eça apresenta-nos um Amaro "sem sal". A sua infância foi repleta de algumas tragédias e de muitos "frus frus" de saias de mulheres. A ida para o seminário por ordem da sua benfeitora, revela-nos um Amaro com pouca convicção na Igreja, sem qualquer vocação. A temporada nos confins da Serra, que ocorre um ano antes de se tornar pároco em Leiria, onde irá decorrer toda a acção de O Crime do Padre Amaro, talvez o tenham despertado para a sua fé, mas não o suficiente. Vai para Leiria por influências de um conhecido seu.
Em Leiria, Amaro conhece Amélia, uma jovem rodeada por um clã de beatas que me causaram um certo desconforto, não só pela fé desnorteada que representam como pela contradição entre aquilo que acreditam cega e radicalmente e aquilo que fazem, pois as intrigas discutidas e provocadas por aquele clã de beatas era, no mínimo, desconcertante. Aliás, aquela sociedade escrita por Eça transpirava intriga e mesquinhez, um atraso de pensamento incrível, uma convicção religiosa doentia e temente.
A ideia que esta obra transmite, e que até há uns anos atrás não era invulgar, era de que o Padre tinha um poder enorme na comunidade. Nesta obra isso é claro e límpido, assim como a vida faustosa que muitos daqueles padres/personagens levavam, grandes barrigas, grandes festins de comida... o papel da religião é o grande tema em "O Crime do Padre Amaro".
Confesso que as personagens religiosas nesta obra são profundamente ridicularizadas, à excepção do Abade Ferrão que, no fim da história, tenta "resgatar" Amélia sem a julgar severamente. É uma personagem curiosa, um religioso que encara a religião da forma, que a meu ver, é a mais indicada - uma fé por Amor e não por Temor.
Há depois umas figuras "anti-religião" muito curiosas, como João Eduardo, o enamorado de Améliazinha, que escreve o estrondoso "Comunicado"; o Dr. Godinho, que no início é um forte opositor da Igreja, mas que termina a história, manso como um cordeirinho pois, por via da sua mulher, os padres conseguem controlá-lo; Gustavo, o tipógrafo revolucionário; o Dr. Gouveia, o médico, que tem uma conversa com João Eduardo que me deliciou e que li por duas vezes.
A crítica feroz, está, mais uma vez, presente nesta obra de Eça. Critica fortemente a Igreja com muito pouco pudor e com tremenda coragem. é uma obra magistral.