O Poder, Naomi Alderman (2016)
Ficção científica - Feminismo - Utopia/Distopia
O mote deste livro é aliciante, demasiado aliciante. Curioso, como a sua leitura instiga um sentimento de retaliação. Devo confessar, em muitos momentos, senti algo muito semelhante a um prazer sádico enquanto devorava as páginas deste romance fantástico, ou de ficção científica, não sei ao certo como o categorizar. Gostei. Bastante. Senti culpa por me render tão facilmente, mas não me quero justificar.
O poder, o poder de causar dor, de magoar fisicamente, de matar. É esse poder que é dado às mulheres neste livro e que as coloca numa posição de supremacia em relação aos homens - aqui não se fala em igualdade, nem é isso que se pretende.
Aqui fala-se de uma revolução, uma inversão de paradigma, neste universo são os homens que têm receio de sair à rua de noite, sozinhos. São os homens que se protegem junto dos pares, num exercício de auto-segregação. São os homens que têm medo que uma qualquer mulher alucinada lhes destrua o âmago da sua existência, a sua vida ou dignidade. Daí que fale em retaliação, uma vingança radical, chamemos-lhe. Muito radical. Demasiado radical. Desumanamente radical.
Confesso que à medida que fui avançando na história, ela me deixou mais e mais desconfortável e inquieta. O espírito de retaliação inicial tornou-se, progressivamente, abjeto.
No mínimo, pelo paradoxo, este livro expõe a nu a desigualdade atual entre mulheres e homens. E por isso não creio fazer sentido colocar a pergunta, «e se fosse ao contrário, e se a história fosse sobre homens que eletrocutam mulheres»? Não creio fazer sentido, precisamente porque a questão não é, desde logo, para ser literalmente colocada. O Poder fala-nos de um universo distópico, contudo, muito do que ali é relatado, nas suas descrições mais violentas, ocorreram e ocorrem diariamente na vida das mulheres de ontem, hoje e agora. A violência de séculos, de maior e menor grau, a que as mulheres estiveram e estão sujeitas demonstram que, mesmo as descrições mais terríveis da obra, têm um paralelo na nossa realidade. E porquê? Porque os perpetradores da violência podiam (e podem). Como podem as mulheres neste livro. É justo? É digno? É humano? Não. Mas repito, este não é um livro sobre igualdade. Levará, naturalmente o leitor a refletir sobre a igualdade, mas intrinsecamente, esta é uma história invertida de desigualdade, desproporção e poder. E é precisamente por colocar os homens como vítimas, por inverter a ordem do poder que, como uma luva branca, esbofeteia o leitor, forçando-o a revisar a sua própria realidade.
Este livro não é uma resposta, nem um chamamento - é um livro para ser pensado e que demonstra que o poder não tem género.
Não é uma obra prima, o enredo tem uma estrutura atípica, nem sempre é óbvio qual o fio condutor, talvez por se focar em várias personagens em simultâneo e retratar a realidade e contexto de cada uma de forma independente. Mas gostei. Bastante. A premissa é disruptiva e a reflexão que advém da história é enriquecedora. Se quiserem dará um bom filme.
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