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Queirosiana

Blogue sobre livros, leituras, escritores e opiniões

The Voyage Out (1915), Virginia Woolf

Ficção - Romance - Clássicos

14.08.20

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O primeiro romance de Virginia Woolf, The Voyage Out, ou em português A Viagem, é exatamente isso, o início de um percurso de uma das maiores escritoras da literatura moderna ocidental. Neste romance de estreia, ainda não encontramos o estilo vincado da escrita de Woolf, as suas famosas correntes de pensamento, mas aqui Woolf rompe, claramente, com os ditames do romance do século XIX e revela a travessia que se inicia nos romances escritos por ela, à sua imagem. Confesso que nos primeiros capítulos senti que lia Jane Austen até encontrar um beijo inusitado numa das páginas iniciais e descobrir, a partir daí, um outro estilo de escrita e uma outra liberdade. 

Em The Voyage Out temos duas personagens femininas de relevo, Rachel Vinrace e Helen Ambrose, sobrinha e tia. O rumo do enredo leva-nos também a conhecer uma das futuras, principais e mais marcantes personagens de Woolf, Clarissa Dalloway, que se cruza com Rachel no decurso da viagem - mas não só, em The Voyage Out, tive vislumbres de A Room of One's Own, The Waves e mesmo da nota de suicídio de Woolf deixada ao seu marido, não digo que exista algo de premonitório neste romance, mas certamente que ele representa já um conjunto de ideias comuns à literatura woolfiniana. 

Rachel Vinrace é uma mulher de 24 anos de idade que, deixada aos cuidados de duas tias no recato de uma região interior de Inglaterra, cresce sem uma cuidada educação formal, mas brilhante nas artes da música, ainda que pouco habituada às formalidades e subtilezas do convívio social. Assim, aos 24 anos embarca numa viagem de barco para a América do Sul, com o pai e tios, viagem essa onde se irá conhecer e descobrir. The Voyage Out está populado de uma lista enorme de personagens,  hóspedes do hotel em Santa Marina, por vezes difícil de acompanhar, tornando a leitura confusa, sobretudo quando lido na língua original. Nesta viagem tive também o espanto e a surpresa de me ver transportada para a costa marítima do Tejo em Portugal, na qual a nossa personagem aporta circunstancialmente. Não deixou de ser interessante encontrar Lisboa num romance de Woolf. 

The Voyage Out conta-nos uma história de amor, mas conta-nos, em simultâneo, como duas existências, compatíveis nos desejos e pensamentos, podem amar-se sem perder identidade, sem se submeter. O amor entre Rachel e o seu companheiro é invejável pela tranquilidade e suficiência, ainda que sejamos todos meros retalhos de luz num mundo feito de sólidos blocos de matéria (roubando o pensamento de Woolf).

É o silêncio, as palavras que não chegam ou que se escondem e não se dizem alto, é no fundo, ainda que residual, a existência independente e autónoma, pessoalíssima e intransponível do outro que, por muito amor que exista, não é alcançável, e permanece sempre um mistério para a contraparte e um último reduto de liberdade para o outro. Uma existência só nossa, profundamente íntima, que não tem partilha possível e que só existe em nós e connosco. E amar outrem é também amar o desconhecido e a falibilidade do outro, ou melhor, amá-lo independentemente disso. Não sei se foi isto que Woolf quis contar neste romance, mas sem dúvida foi o que retive. 

Ainda que sem adotar qualquer discurso radical, The Voyage Out é uma história de emancipação feminina, em muitos momentos, nas palavras e pensamentos de Rachel, mas ainda mais de Helen, senti intemporalidade, aquelas duas mulheres, com outros adereços, certamente, podiam perfeitamente encarnar o nosso século XXI.

Curioso como o título do livro, The Voyage Out, parece trazer implícita uma expansão, uma aventura e descoberta exógena. Muitas vezes perguntei se, The Voyage In não seria mais apropriado, num uso talvez impróprio e não nativo das palavras, no sentido de que, esta é a história de uma viagem interior profunda - com e sem retorno. 

Não sei como seria se tivesse sido este o meu livro de introdução à escrita de Woolf,  mas creio que teria sido uma boa escolha e um bom conselho. 

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